domingo, 17 de abril de 2011

Audiência Pública debate discriminação e o direito às manifestações religiosas de origem africana

No Centro do Plenário da Câmara de Vereadores de Florianópolis há uma cruz dourada com cerca de um metro de altura. É um dos símbolos mais significativos das igrejas cristãs. A cruz está no centro da parede de um órgão que representa um dos três poderes – o Legislativo - de um Estado laico, sem religião oficial, no qual a Constituição Federal, em seu artigo 5º, diz que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Portanto, garante a liberdade de culto religioso.
É significativo, portanto, que no Plenarinho da Casa Legislativa seja realizada, no dia 19 de abril, às 14h30, Audiência Pública para discutir a discriminação e o direito às manifestações religiosas de origem africana. A Audiência foi requerida pelo Vereador Lino Peres.
A iniciativa visa dar visibilidade à Semana das Religiões de Matrizes Africanas, sempre na semana de 23 de abril, conforme a Lei Municipal 7.558/2008, bem como discutir formas de proteção aos cultos, entidades e adeptos que sofrem os mais variados tipos de discriminação e agressão, inclusive com ameaças de morte.
A Militante do Movimento Negro Unificado (MNU) Vanda Pinedo, que integra o Gabinete do Mandato, diz que essa discriminação é histórica, desde que populações ligadas a diferentes etnias foram seqüestradas do continente africano para o Brasil como escravos. Esse processo de seqüestro e de conversão ao catolicismo implicou perda de identidade negra e na subversão da religião de matriz africana, que passou a se manifestar na clandestinidade.
Passados 500 anos, o racismo só mudou de foco, pois a sociedade brasileira ainda não consegue conviver respeitosamente com os cultos religioso, conforme estabelece a Constituição.
As agressões e o desrespeito são verbais e até físicos. No primeiro caso, se relaciona a religião de matriz africana ao “culto ao demônio”, ao mau, a “atos de maldade”. Dependendo de onde ou de quem faz esse tipo de discurso, é possível levar outras pessoas a incorporar o mesmo ponto de vista ou atitude. As agressões se tornam explícitas quando há invasão a centros, terreiros ou barracões, como são chamados os espaços das práticas da religião de matriz africana. Nas denúncias para que a polícia intervenha, a mesma age de forma agressiva, proibindo de imediato o uso dos atabaques e demais instrumentos fundamentais à prática nestes espaços públicos. Com esta perseguição, o medo leva a maioria dos seguidores a evitar denúncias, temendo retaliação.
Para Vanda, muitas pessoas criticam uma expressão religiosa que praticamente desconhecem, e ainda assim a associam ao mal, reforçando o estigma. “Uso como exemplo festas e manifestações de outras religiões que, com seus rituais, canções, toques de sinos, ocupam espaços públicos e fecham ruas com o aval do poder público”. O racismo se expressa quando, para a religião de matriz africana, não há este mesmo tratamento, inclusive para utilização de espaços naturais, constata Vanda. Na avaliação dela, programas religiosos ou não, veiculados em muitos casos nos meios de comunicação, reproduzem e até estimulam a intolerância religiosa.
Ela cita como exemplo a forma como são tratadas, nesses discursos, as oferendas. Nos terreiros afro-brasileiros há a prática de sacrifício de animais, mas para cumprir um ritual de oferenda aos deuses, que são vistos como elementos da natureza, e alimentar as pessoas que participam do ritual. Mas a prática de abater cruelmente animais em muitos frigoríficos, que cada vez mais só visam lucro e depois são comprados e vendidos pelas redes de supermercados, não sofre a mesma crítica, ainda que altere cada vez mais o crescimento e a reprodução deste animais em prejuízo da saúde humana, destaca Vanda. Ela acrescenta que essa discriminação racionaliza e animaliza a prática dos seguidores da religião africana, tirando-a do âmbito da expressão religiosa.
Segundo Vanda, a expectativa, com a Audiência Pública, é dar visibilidade aos problemas apontados, debater o direito dos adeptos à livre expressão religiosa e garantir que os encaminhamentos tenham os efeitos esperados, e que o Poder Público se responsabilize pela defesa do cidadão em todos os aspectos de sua convivência na sociedade.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Mandato

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