quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Carta aberta ao secretário Dalmo Vieira Filho questiona processo que envolve o debate do anteprojeto do Plano Diretor

Leia a carta aberta à população enviada ao secretário municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Florianópolis, Dalmo Vieira Filho, sobre o processo que envolve o debate do anteprojeto do Plano Diretor. Assinam o documento: Manoel Arriaga Andrade - Arquiteto e urbanista, integrante do Núcleo Gestor do PDP; Lino Fernando Bragança Peres – Arquiteto, urbanista, professor da UFSC e vereador por Florianópolis; Paulo Borges Rizzo – Arquiteto, urbanista e professor universitário da UFSC; Loureci Ribeiro – Arquiteto e urbanista; Elisa Jorge da Silva – Arquiteta e paisagista, assessora na CMF; Cid Neto – Condutor Ambiental e Cultural Local da Ilha de Santa Catarina – Florianópolis.

(Carta aberta à população)

Ao Secretário do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
Sr. Arq. Dalmo Vieira Filho.

Sr. Secretário,

Cumprimentando-o respeitosamente, vimos, por meio desta, manifestar nossa grande surpresa pelo conteúdo de sua carta encaminhada aos membros do Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.

Queremos acreditar que sua assinatura, neste documento, deve-se muito mais a um mando hierárquico na administração municipal do que à sua carreira dedicada durante longos anos à preservação do patrimônio histórico nacional, tais as distorções político-ideológicas, tal o desconhecimento da importância do processo democrático para as definições urbanísticas, tais incompreensões e desconsiderações sobre o papel desta instituição municipal que é o Núcleo Gestor do Plano Diretor e ainda, tal é o desrespeito às legislações constitucionais brasileiras.

Na condição de integrantes do Núcleo Gestor e de entidades da sociedade civil, não poderíamos deixar de nos manifestar diante de tanta distorção desta carta-decisão que V.Sa. nos remete e sobre a qual vimos tecer alguns comentários:

a.    Ainda que o tratamento utilizado na vossa carta venha recheado de respeitosas palavras, como mandam as boas maneiras da política de bons relacionamentos, entendemos que prevalece a clara intenção de marcar uma posição autoritária e até mesmo desmerecedora para com a legítima representação popular da cidade.

b.    Afirma que, por necessidade de cumprir atribuições da gestão municipal, “assume” diretamente a apresentação do “novo projeto” do Plano Diretor. Ora, quem delegou esta função? Certamente não foi a população da cidade, pois esta, em legítimas Audiências Públicas de acordo com a Lei Federal 10.257/2001 do Estatuto das Cidades, agora desrespeitadas, elegeu sim representantes em cada Distrito e em Assembleias de categorias e entidades civis, para exatamente poder estar presente, participante e fazer valer, através da Coordenação Compartilhada com o Executivo Municipal, os interesses coletivos da sociedade no Plano Diretor, em defesa das diretrizes urbanísticas  comunitárias para a cidade que tanto custaram a serem democraticamente definidas e que formam um cabedal de leitura da cidade inestimável.

c.    Menciona a decisão de realizar um “inédito calendário” onde em 40 reuniões Distritais (sic - sabe-se que o município possui apenas 13 Distritos) além de “um número equivalente de reuniões técnicas com aproximadamente duas dezenas das entidades públicas e privadas representativas de todas as regiões e categorias sociais da cidade, além de cinco Oficinas Técnicas Regionais (Centro, Continente, Norte, Sul e Leste)” e pretende dar conta de todas as tarefas de discussão e deliberação do Anteprojeto do PD. Note-se que a estas 40 reuniões, somam-se ainda “cinco oficinas temáticas que envolverão profissionais que atuam com o plano: meio ambiente, áreas de interesse social, mobilidade, patrimônio cultural e operações urbanas”. Tudo isto, em apenas 20 dias, sem contar que “todo o processo culminará com a realização da II Conferência da Cidade, cujo fecho terá o formato de Audiência Pública”. Ora, Sr. Secretário,  mesmo os mais entusiasmados integrantes e defensores desta política na sua gestão municipal, sabem da impossibilidade de obtermos uma proposta de Plano Diretor, com um mínimo de preparação e debate com a sociedade e com um mínimo de seriedade sob o ponto de vista do respeito à legislação, do respeito à participação geral da sociedade, da consideração com as diretrizes populares, e até mesmo dos bons e conhecidos métodos acadêmicos do qual V.Sa. é bem familiarizado, por seus anos de passagem pela área docente.

d.    Está dito também, que o município “contratará quatro profissionais de renome nacional e internacional para consultoria em áreas específicas do Plano”. Desculpe-me o sr. Secretário,  mas, com esta medida, a sua própria categoria profissional, representada por entidades com uma história de lutas importantes, como o IAB-SC, o CAU-SC e outras, estão sendo preteridas, diminuídas neste processo, sem poder contribuir de forma equilibrada e participativa naquilo que é de suas atribuições profissionais. Há inclusive representação destes órgãos no Núcleo Gestor do Plano Diretor, como é o IAB-SC, os quais estão sendo cassados por esta “nova” política urbana de seu governo.

e.    Na finalização de sua carta, muito elegantemente, V. Sa. faz referência ao Núcleo Gestor com estas palavras: “em consideração aos serviços comunitários realizados pelos membros do Núcleo Gestor, e reconhecendo a condição de líderes distritais de seus componentes, fica expressa a disposição de manter o tratamento especial que continuarão merecendo no processo, ficando a equipe técnica permanentemente à disposição para consultas, sugestões e agendamento de reunião comunitária em seus bairros e entidades”. Diante de tão solícitas palavras, só nos resta agradecer estas dedicadas deferências, mas é mister colocá-lo a par sobre papel dos integrantes do Núcleo Gestor, que não é composto somente de “líderes distritais”, “prestadores de serviços”, mas de representantes de todas as categorias e camadas sociais da cidade de Florianópolis e que foram eleitos democraticamente por seus pares, em audiências públicas e assembleias de entidades em respeito à Resolução 25/2005 do Conselho Nacional das Cidades, que diz em seu Art. 4º, §1º:

 “A coordenação do processo participativo de elaboração do Plano Diretor deve ser compartilhada, por meio da efetiva participação de poder público e da sociedade civil, em todas as etapas do processo, desde a elaboração até a definição dos mecanismos para a tomada de decisões”.

Por isso, prezado sr. Secretário, pensamos que todos, trabalhadores, munícipes, profissionais, militantes sociais e porque não dizer também, empresários, mereceriam de sua equipe e principalmente de vossa pessoa, o entendimento e a consideração de que não está se tratando de pessoas descartáveis através de um simples e simpático aceno de acolhimento técnico, sem que isto tenha suas implicações sociais, políticas e legais.

f.     A história política deste país ainda está muito presente na memória de sua população, apesar de ter se passado uma geração inteira. Esta memória não está somente naqueles que diretamente foram presos e torturados ou dos familiares dos assassinados, mas da grande maioria dos brasileiros que, de alguma forma, já ouviram falar dos tempos de ditadura militar, onde os direitos civis da sociedade foram, autoritária e sumariamente, suspensos. Semelhantemente, o texto de Vossa carta aos membros do Núcleo Gestor é bastante explicito quando declara que o Governo municipal, “com o único intuito de cumprir compromissos públicos, passa a assumir diretamente” a apresentação do novo Plano Diretor. Antes, suspenderam-se os direitos civis da sociedade com o fechamento do Congresso Nacional, hoje, cancelam-se os direitos populares, suspendendo as funções precípuas do Núcleo Gestor. Antes, com o “único intuito” de impedir que os “comunistas” chegassem ao poder, num ato institucional, o AI5, fechou-se o Congresso e cometeram-se as maiores barbaridades. Agora, com o “único intuito de cumprir compromissos públicos”, compromissos estes pouco confessáveis, desconsidera-se esta instituição pública municipal e coloca-se em risco toda uma geração de habitantes da cidade.

g.     Gostaríamos de lembrá-lo também que as atividades do Núcleo Gestor já tiveram tratamentos semelhantes por parte de outros governos, não sendo por isso de total ineditismo deste governo Cesar Souza tomar estas posições sobre o PDP. Este fato nos remete a lembrá-lo que sua gestão à frente do IPUF esteve, desde o fim do ano de 2012 e início do presente ano, sendo sistematicamente lembrado, pelos integrantes do Núcleo Gestor, da história, das responsabilidades sociais, da urgência para encaminhamento do Anteprojeto de Lei, da necessidade de cumprir o Regimento Interno, da necessidade de disponibilizar os mapas relativos aos condicionantes ambientais, dos mapas relativos ao macro e micro zoneamento, do plano de mobilidade, da obrigatoriedade das audiências públicas distritais, não tendo sido dadas quaisquer destas respostas até o mês de setembro deste ano, a não ser as convenientes respostas evasivas. Porem é do seu conhecimento o que diz o § 4o e seus incisos II e III do Art.40 do Estatuto das Cidades:

             “No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: 
       II –    a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
      III –    o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.”

h.    Assinalamos que sempre denunciamos também o sucateamento do IPUF e a necessidade de contratação de novos técnicos, para recuperação deste órgão o qual entendemos ser fundamental para o desenvolvimento urbano de Florianópolis e de toda a região metropolitana. Portanto, se agora, pretende encaminhar o Anteprojeto de Lei do Plano Diretor à Câmara de Vereadores desta forma atabalhoada, atropelando o processo de deliberação democrática, a responsabilidade cabe, exclusivamente, aos senhores administradores municipais.

i.      Como finalização desta resposta à sua carta, entendemos ser necessário disponibilizar à sociedade, gostaríamos de acrescentar que, pelo que temos observado nas reuniões nos bairros e regiões distritais – convocadas sem critérios, sem antecedência, sem secretarias,  sem pauta, sem preparativos, sem material - as equipes contratadas pelo IPUF não têm experiência e formação na área do planejamento urbano participativo para assumir tão pesada e importante atividade institucional de responder pela elaboração do Plano Diretor. Nestas reuniões os técnicos são inquiridos em diversas questões que ficam sem respostas, pois afirmam que irão remete-las para seus superiores ou reuniões posteriores, demonstrando uma insuficiente capacitação que poderia ter sido disponibilizada pelo IPUF. Lembramos, por sinal, que o Ministério das Cidades, desde 2007, vem promovendo diversos cursos de formação para preparar equipes técnicas como requisito indispensável para condução de planos diretores participativos. Perguntamos: estas equipes, contratadas sem concurso público, tiveram formação prévia para assumir tão importante atividade?

Enfim, prezado Secretário, temos certeza que o caminho escolhido por V. Sa., nesta triste mensagem da carta que oferece ao Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo e à população florianopolitana, possui até seus benefícios pois vai  deixando claro aos olhos dos homens, quem é quem nesta seara. Como se diz popularmente, há muita madeira bruta sob o pelego de lã.

Atenciosamente,

Manoel Arriaga Andrade - Arquiteto e urbanista, integrante do Núcleo Gestor do PDP
Lino Bragança Peres – Arquiteto, urbanista, professor da UFSC e vereador por Florianópolis
Paulo Borges Rizzo – Arquiteto, urbanista e professor universitário da UFSC
Loureci Ribeiro – Arquiteto e urbanista
Elisa Jorge da Silva – Arquiteta e paisagista, assessora na CMF
Cid Neto – Condutor Ambiental e Cultural Local da Ilha de Santa Catarina – Florianópolis

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