Leia a carta aberta
à população enviada ao secretário municipal de
Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Florianópolis, Dalmo Vieira Filho, sobre o processo que envolve o debate do
anteprojeto do Plano Diretor. Assinam o documento: Manoel Arriaga Andrade -
Arquiteto e urbanista, integrante do Núcleo Gestor do PDP; Lino Fernando Bragança
Peres – Arquiteto, urbanista, professor da UFSC e vereador por Florianópolis; Paulo
Borges Rizzo – Arquiteto, urbanista e professor universitário da UFSC; Loureci
Ribeiro – Arquiteto e urbanista; Elisa Jorge da Silva – Arquiteta e paisagista,
assessora na CMF; Cid Neto – Condutor Ambiental e Cultural Local da Ilha de Santa
Catarina – Florianópolis.
(Carta aberta à
população)
Ao
Secretário do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
Sr. Arq. Dalmo Vieira Filho.
Sr. Arq. Dalmo Vieira Filho.
Sr.
Secretário,
Cumprimentando-o
respeitosamente, vimos, por meio desta, manifestar nossa grande surpresa pelo
conteúdo de sua carta encaminhada aos membros do Núcleo Gestor do Plano Diretor
Participativo de Florianópolis.
Queremos acreditar que sua assinatura, neste
documento, deve-se muito mais a um mando hierárquico na administração municipal
do que à sua carreira dedicada durante longos anos à preservação do patrimônio
histórico nacional, tais as distorções político-ideológicas, tal o
desconhecimento da importância do processo democrático para as definições
urbanísticas, tais incompreensões e desconsiderações sobre o papel desta
instituição municipal que é o Núcleo Gestor do Plano Diretor e ainda, tal é o
desrespeito às legislações constitucionais brasileiras.
Na condição de integrantes do Núcleo Gestor
e de entidades da sociedade civil, não poderíamos deixar de nos manifestar
diante de tanta distorção desta carta-decisão que V.Sa. nos remete e sobre a
qual vimos tecer alguns comentários:
a.
Ainda que o tratamento utilizado na vossa carta venha recheado de respeitosas
palavras, como mandam as boas maneiras da política de bons relacionamentos, entendemos
que prevalece a clara intenção de marcar uma posição autoritária e até mesmo
desmerecedora para com a legítima representação popular da cidade.
b.
Afirma que, por necessidade de cumprir atribuições da gestão municipal,
“assume” diretamente a apresentação do “novo projeto” do Plano
Diretor. Ora, quem delegou esta função? Certamente não foi a população da
cidade, pois esta, em legítimas Audiências Públicas de acordo com a
Lei Federal 10.257/2001 do Estatuto das Cidades, agora desrespeitadas,
elegeu sim representantes em
cada Distrito e em Assembleias de categorias e entidades
civis, para exatamente poder estar presente, participante e fazer valer, através
da Coordenação Compartilhada com o Executivo Municipal, os interesses
coletivos da sociedade no Plano Diretor, em defesa das diretrizes
urbanísticas comunitárias para a cidade que tanto custaram a serem
democraticamente definidas e que formam um cabedal de leitura da cidade
inestimável.
c.
Menciona a decisão de realizar um “inédito
calendário” onde em 40 reuniões Distritais (sic - sabe-se que o município
possui apenas 13 Distritos) além de “um número equivalente de reuniões
técnicas com aproximadamente duas dezenas das entidades públicas e privadas
representativas de todas as regiões e categorias sociais da cidade, além de
cinco Oficinas Técnicas Regionais (Centro, Continente, Norte, Sul e Leste)”
e pretende dar conta de todas as tarefas de discussão e deliberação do
Anteprojeto do PD. Note-se que a estas 40 reuniões, somam-se ainda “cinco
oficinas temáticas que envolverão profissionais que atuam com o plano: meio
ambiente, áreas de interesse social, mobilidade, patrimônio cultural e
operações urbanas”. Tudo isto, em apenas 20 dias, sem contar que “todo o
processo culminará com a realização da II Conferência da Cidade, cujo fecho
terá o formato de Audiência Pública”. Ora, Sr. Secretário, mesmo os mais entusiasmados integrantes e defensores desta política na sua gestão
municipal, sabem da impossibilidade de obtermos uma proposta de Plano Diretor,
com um mínimo de preparação e debate com a sociedade e com um mínimo de
seriedade sob o ponto de vista do respeito à legislação, do respeito à
participação geral da sociedade, da consideração com as diretrizes populares, e
até mesmo dos bons e conhecidos métodos acadêmicos do qual V.Sa. é bem
familiarizado, por seus anos de passagem pela área docente.
d.
Está dito também, que o município “contratará
quatro profissionais de renome nacional e internacional para consultoria em
áreas específicas do Plano”. Desculpe-me o sr. Secretário, mas, com esta
medida, a sua própria categoria profissional, representada por entidades com
uma história de lutas importantes, como o IAB-SC, o CAU-SC e outras, estão
sendo preteridas, diminuídas neste processo, sem poder contribuir de forma
equilibrada e participativa naquilo que é de suas atribuições profissionais. Há
inclusive representação destes órgãos no Núcleo Gestor do Plano Diretor, como é
o IAB-SC, os quais estão sendo cassados por esta “nova” política urbana de seu
governo.
e.
Na finalização de sua carta, muito elegantemente, V. Sa. faz referência ao
Núcleo Gestor com estas palavras: “em consideração aos serviços comunitários
realizados pelos membros do Núcleo Gestor, e reconhecendo a condição de líderes
distritais de seus componentes, fica expressa a disposição de manter o
tratamento especial que continuarão merecendo no processo, ficando a equipe
técnica permanentemente à disposição para consultas, sugestões e agendamento de
reunião comunitária em seus bairros e entidades”. Diante de tão solícitas
palavras, só nos resta agradecer estas dedicadas deferências, mas é mister
colocá-lo a par sobre papel dos integrantes do Núcleo Gestor, que não é
composto somente de “líderes distritais”, “prestadores de serviços”, mas de
representantes de todas as categorias e camadas sociais da cidade de
Florianópolis e que foram eleitos democraticamente por seus
pares, em audiências públicas e assembleias de entidades em respeito à Resolução 25/2005 do Conselho
Nacional das Cidades, que diz em
seu Art. 4º, §1º:
“A
coordenação do processo participativo de elaboração do Plano Diretor deve ser
compartilhada, por meio da efetiva participação de poder público e da sociedade
civil, em todas as etapas do processo, desde a elaboração até a definição dos
mecanismos para a tomada de decisões”.
Por isso, prezado sr. Secretário, pensamos que todos, trabalhadores, munícipes, profissionais,
militantes sociais e porque não dizer também, empresários, mereceriam de sua
equipe e principalmente de vossa pessoa, o entendimento e a consideração de que
não está se tratando de pessoas descartáveis através de um simples e simpático
aceno de acolhimento técnico, sem que isto tenha suas implicações sociais,
políticas e legais.
f.
A história política deste país ainda
está muito presente na memória de sua população, apesar de ter se passado uma
geração inteira. Esta memória não está somente naqueles que diretamente foram
presos e torturados ou dos familiares dos assassinados, mas da grande maioria
dos brasileiros que, de alguma forma, já ouviram falar dos tempos de ditadura
militar, onde os direitos civis da sociedade foram, autoritária e sumariamente,
suspensos. Semelhantemente, o texto de Vossa carta aos membros do Núcleo Gestor
é bastante explicito quando declara que o Governo municipal, “com o único
intuito de cumprir compromissos públicos, passa a assumir diretamente” a
apresentação do novo Plano Diretor. Antes, suspenderam-se os direitos civis da
sociedade com o fechamento do Congresso Nacional, hoje, cancelam-se os direitos
populares, suspendendo as funções precípuas do Núcleo Gestor. Antes, com o “único
intuito” de impedir que os “comunistas” chegassem ao poder, num ato
institucional, o AI5, fechou-se o Congresso e cometeram-se as maiores
barbaridades. Agora, com o “único intuito de cumprir compromissos públicos”,
compromissos estes pouco confessáveis, desconsidera-se esta instituição pública
municipal e coloca-se em risco toda uma geração de habitantes da cidade.
g. Gostaríamos de lembrá-lo também que as
atividades do Núcleo Gestor já tiveram tratamentos semelhantes por parte de
outros governos, não sendo por isso de total ineditismo deste governo Cesar
Souza tomar estas posições sobre o PDP. Este fato nos remete a lembrá-lo que
sua gestão à frente do IPUF esteve, desde o fim do ano de 2012 e início do
presente ano, sendo sistematicamente lembrado, pelos integrantes do Núcleo
Gestor, da história, das responsabilidades sociais, da urgência para
encaminhamento do Anteprojeto de Lei, da necessidade de cumprir o Regimento
Interno, da necessidade de disponibilizar os mapas relativos aos condicionantes
ambientais, dos mapas relativos ao macro e micro zoneamento, do plano de
mobilidade, da obrigatoriedade das audiências públicas distritais, não tendo
sido dadas quaisquer destas respostas até o mês de setembro deste ano, a não
ser as convenientes respostas evasivas. Porem é do seu conhecimento o que diz o
§ 4o e seus incisos II e III do Art.40 do Estatuto das Cidades:
“No processo de elaboração do plano
diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e
Executivo municipais garantirão:
II – a publicidade quanto aos documentos e informações
produzidos;
III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e
informações produzidos.”
h.
Assinalamos que sempre denunciamos também o
sucateamento do IPUF e a necessidade de contratação de novos técnicos, para
recuperação deste órgão o qual entendemos ser fundamental para o
desenvolvimento urbano de Florianópolis e de toda a região metropolitana.
Portanto, se agora, pretende encaminhar o Anteprojeto de Lei do Plano Diretor à
Câmara de Vereadores desta forma atabalhoada, atropelando o processo de
deliberação democrática, a responsabilidade cabe, exclusivamente, aos senhores
administradores municipais.
i.
Como finalização desta resposta à sua
carta, entendemos ser necessário disponibilizar à sociedade, gostaríamos de
acrescentar que, pelo que temos observado nas reuniões nos bairros e regiões
distritais – convocadas sem critérios, sem antecedência, sem secretarias,
sem pauta, sem preparativos, sem material - as equipes contratadas pelo
IPUF não têm experiência e formação na área do planejamento urbano participativo para assumir
tão pesada e importante atividade institucional de responder pela elaboração do
Plano Diretor. Nestas reuniões os técnicos são inquiridos em diversas questões
que ficam sem respostas, pois afirmam que irão remete-las para seus superiores
ou reuniões posteriores, demonstrando uma insuficiente capacitação que poderia
ter sido disponibilizada pelo IPUF. Lembramos, por sinal, que o Ministério das
Cidades, desde 2007, vem promovendo diversos cursos de formação para preparar
equipes técnicas como requisito indispensável para condução de planos diretores
participativos. Perguntamos: estas equipes, contratadas sem concurso público,
tiveram formação prévia para assumir tão importante atividade?
Enfim, prezado Secretário, temos
certeza que o caminho escolhido por V. Sa., nesta triste mensagem da carta que
oferece ao Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo e à população
florianopolitana, possui até seus benefícios pois vai deixando claro aos
olhos dos homens, quem é quem nesta seara. Como se diz popularmente, há muita
madeira bruta sob o pelego de lã.
Atenciosamente,
Manoel Arriaga
Andrade - Arquiteto e urbanista, integrante do Núcleo Gestor do PDP
Lino Bragança
Peres – Arquiteto, urbanista, professor da UFSC e vereador por Florianópolis
Paulo Borges
Rizzo – Arquiteto, urbanista e professor universitário da UFSC
Loureci Ribeiro –
Arquiteto e urbanista
Elisa Jorge da
Silva – Arquiteta e paisagista, assessora na CMF
Cid Neto – Condutor Ambiental e Cultural
Local da Ilha de Santa Catarina – Florianópolis
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