A Audiência Pública das Religiões de Matriz Africana foi aberta pelo deputado Dirceu Dresch
(PT), seguido pelo vereador Lino Peres (PT). A presidente da Associação dos
Terreiros de Umbanda de Almas de Angola, Iara Silva, a primeira a fazer a fala,
destacou a necessidade de respeito à legislação federal no que se refere ao
direito de culto. Ela relatou que a Polícia Militar esteve em sua Casa para que os
atabaques cessassem o som. Mãe Iara disse que não apenas sua casa foi atacada,
mas, nesse gesto, todos os terreiros de matriz africana em Santa Catarina.
Em seguida, Apolônio Antonio da Silva, da Uniafro, disse esperar
que se tenha outra visão sobre o tema da Audiência, a partir do apoio de
parlamentares na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa, com respeito
a seus valores. José Ribeiro, do Conselho das Populações Afro-Descendentes
(CEPA), mencionou o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e
Comunidades de Matriz Africana, destacando que se espera, do poder público,
mais do que ser ouvidos, e sim ações práticas: “É preciso repensar quem somos
nós no processo histórico, recontando a história do país na nossa ótica”.
A representante do Movimento Negro Unificado (MNU), Maria Lurdes
Mina (Lurdinha), ressaltou a importância da Audiência, mas lamentou a ausência
de muitos pais e mães de santo negros, que sofrem ainda mais repressão e ficam
na invisibilidade nas periferias. Mencionou o quanto eles são importantes em
ações como as de saúde, porque os pais e mães de santos são os primeiros a ser
procurados por quem sofre, nas periferias, de sofrimento físico e emocional.
Esse momento de ataques aos terreiros, destacou, se insere num quadro maior de
ataque orquestrado às manifestações da população negra, como no caso de
políticas sociais como as cotas no ensino público superior. É preciso, então,
união para que, de fato, as leis sejam respeitadas: “É importante o diálogo,
mas é na luta que vamos vencer”.
Flávia Helena Lima, da Coordenadoria Municipal de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Florianópolis (COPPIR), citou a
importância do SOS Racismo, destacando a importância da defesa jurídica nesses
casos. Sobre a ação dos órgãos ambientais, como a Floram e a Polícia Militar,
disse que é necessário relatar as denúncias, no caso junto à Coordenação, para
que sejam feitos os encaminhamentos necessários, porque a forma de atendimento
às ocorrências às vezes é feita de forma inadequada em relação ao regulamento
dos órgãos que atendem essas ocorrências.
O Sacerdote de Ifá, interlocutor da Comissão de Combate à
Intolerância Religiosa e conselheiro estratégico do Centro de Articulação de
Populações Marginalizadas, Babalawo Ivanir dos Santos, destacou a necessidade
de órgãos como a Polícia Militar, ao receberam denúncias sistemáticas, como no
caso dos cultos nos terreiros, terem a iniciativa de investigar o que está
acontecendo, para não serem o braço punitivo de um estado que é laico. Ele se
referiu, nesse sentido, a uma parte dos evangélicos, que, por via de sua
bancada parlamentar, atuam de forma explícita contra as religiões de matriz
africana. Destacou que, no que se refere à repressão, ela não acontece em
sinagogas dos judeus ou em igrejas católicas. Além disso, num estado laico, há
casos de professores, juízes, que, em seu trabalho, atuam com base em sua
orientação religiosa, e não levam em conta justamente o fato de o estado ser
laico.
Ivanir dos Santos sugeriu vários encaminhamentos, como fazer
dossiês dos casos de repressão e divulgá-los em nível nacional e internacional;
criar Frente Parlamentar Municipal e Estadual Contra a Intolerância Religiosa;
buscar apoio em órgãos como o Conselho Nacional de Justiça para dar a resposta
à ação do Ministério Público nos inquéritos relacionados aos terreiros;
estimular campanha pelo artigo 20 da CF, de discriminação religiosa;
multiplicar o guia de combate contra a intolerância religiosa; publicizar o
projeto de lideranças evangélicas contra as religiões de matriz africana; fazer
caminhada estadual para dar visibilidade ao assunto, unindo-se à lideranças de
outras matrizes religiosas. Ivanir dos Santos destacou que o estado laico tem
que proteger os mais fracos, e que a PM em Santa Catarina deve
estudar as denúncias para ter uma maior compreensão do fato político no qual se
insere a discriminação contra as religiões de matriz africana. Lembrou que as Casas são espaços de culto e,
diferenciadas ou não, não podem ser invadidas, e é preciso ter clareza disso
para se fazer o debate. Acentuou que a discriminação racial necessariamente não
une, mas a intolerância religiosa une, mobiliza, e há que se pensar nesse
elemento para fazer a luta.
O coronel João Schorne de Amorim, do comando da Polícia Militar de
Santa Catarina, mencionou que a Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP) solicitou
informações sobre o que estava sendo feito para melhorar a vida dos policiais
militares afro-descendentes, o que causou surpresa porque não há, na PM, esse
entendimento diferenciado entre raças, tanto no âmbito externo quanto interno.
Por isso também não foi possível atender o mandato do vereador Lino Peres
quando foi solicitado à PM o número de abordagens específicas a cultos
religiosos, porque não é feita essa separação, os casos são assinalados como
perturbação do sossego alheio, baseados em atendimento à solicitação de alguém
da comunidade. Destacou que será debatida a mudança de procedimento de
atendimento nos casos que têm relação com as Casas, com o envolvimento de
vários órgãos e entidades, mapeando, de forma geoprocessada, os locais de culto
e seu entorno para dar respostas aos conflitos.
O mandato do vereador Lino
Peres em breve irá disponibilizar a Ata da Audiência Pública sobre as Religiões
de Matriz Africana.
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