segunda-feira, 8 de abril de 2013

Nove anos de Jornadas

Por Raquel Moysés - jornalista

Guarani, charrua, aymara e outras dezenas de nomes escritos em papéis colados no chão evocavam nacionalidades dos povos da América e faziam um caminho no chão para os que passavam pelo saguão da reitoria, enquanto acordes de violão e harmonias de vozes se elevavam no ar. Este foi um dos tantos cenários de abertura das Jornadas Bolivarianas, assinaladas pela presença da arte.
E elas, que já fazem história na UFSC, completando, este ano de 2013, nove anos de existência, começam nesta terça-feira, dia 9, no Auditório da Reitoria, estendendo-se até 12 de abril. Organizadas pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA/UFSC), as Jornadas deste ano vão tratar dos “Megaeventos esportivos: impactos, consequências e legados para o continente latino americano”.

Este é o tema da conferência de abertura, às 19 horas, com o professor equatoriano Jaime Breilh, diretor da área de saúde da Universidad Andina Simón Bolivar e coordenador do Global Health para a América. Na manhã seguinte, 10 de abril, às 9h, o conferencista é Antonio Becali Garrido, reitor da Universidad de Ciencias de la Cultura Física y el Deporte, de Cuba. De noite, às 18h30min, as conferências trazem a palavra dos jornalistas e comentaristas esportivos Juca Kfouri, do Brasil, e Maurício Mejía, do México. Para falar sobre a temática dos Megaeventos, estas Jornadas trazem para Florianópolis conferencistas da África do Sul, México, Equador, Cuba, Uruguai e Brasil. Confira a programação completa acessando: . http://www.jornadasbolivarianas.blogspot.com.br/

Quase uma década
Nesses nove anos de Jornadas, o Instituto de Estudos Latino-Americanos rastreou problemas centrais para o debate e a crítica, trazendo para o ambiente da universidade palavras esquecidas ou estrategicamente relegadas ao descaso, como socialismo, imperialismo, nacionalismo, poder popular.

Pelas Jornadas passaram algumas dezenas de intelectuais, pensadores e militantes de diferentes países. Todos, fazendo uma varredura sobre temas silenciados ou amesquinhados nos ambientes intelectuais e culturais. A todas as edições das Jornadas sempre afluiu um público ávido de conhecimento e reflexão crítica. Delas participaram, a cada ano, mais de mil pessoas, entre estudantes, professores, militantes sociais, sindicalistas, parlamentares.
Organizado como um seminário internacional, as Jornadas Bolivarianas começaram em 2004, tendo sido inicialmente organizadas pelo Observatório Latino-Americano, que foi o nascedouro do Instituto de Estudos Latino-Americanos, o IELA. Na primeira edição discutiu-se o bolivarianismo e o poder popular na Venezuela, nos rastros de Simón Bolívar e Simón Rodrigues, o mestre do libertador. Inaugurou-se, então, a discussão de um tema que nos anos sucessivos daria muito o que falar: Hugo Chávez e sua proposta de socialismo do século XXI.

Na segunda edição, em 2005, foi estendido o mapa da crise das Ciências Sociais na América Latina e, quase como num rito propiciatório, a partir de conferências e discussões, foram apontados caminhos para sua reinvenção. Em 2006, a discussão ficou centrada na crítica da teoria social e do pensamento servil ao eurocentrismo que ainda domina boa parte da produção intelectual brasileira e de outros países.
Em 2007, as nações e os nacionalismos na América Latina apareceram na divergência e na concordância dos que falaram e discutiram. Na edição seguinte, de 2009, separando pedregulhos da poeira, as Jornadas passaram na peneira a política dos Estados Unidos para a América Latina, desvendando passos de um país que a cada dia mostra ter pés de barro, a despeito de seu poder imperialista. Foi possível entender melhor porque, embora continuem a semear guerras para a “libertar oprimidos”, os do Norte, como bem disse Simón Bolívar, parecem destinados “a encher a América de miséria em nome da liberdade”.

A edição de 2010 trouxe para as mesas de conferência o debate sobre o socialismo na América Latina, abrindo um cenário de contradições e divergências. Houve quem buscasse demonstrar, não sem contendores, não existir ainda, na América Latina, uma experiência real de governo socialista. apesar de a história contar, ao largo dos anos, que vários países caminham, pelas mãos e braços de seus povos, por experiências que revelam mudanças significativas de rotas aspirantes ao socialismo.
Em 2011 foi a vez de se discutir o imperialismo e a cultura na América Latina. A análise de vários pensadores permitiu refletir sobre como o imperialismo atua para a dominação cultural. Pois, ao mesmo tempo em que conquista mercados, ele impõe a hegemonia ao moldar a consciência popular, afasta as pessoas de suas raízes, criando necessidades através dos meios de comunicação e outros produtos da indústria cultural.

Em 2012, mais uma vez, as Jornadas fugiram do agendamento imposto pela mídia e corroborado pela academia, que determinam a pauta e impõem certos temas, ofuscando, desvirtuando ou ignorando outros tantos. As Jornadas destacaram o tema da importância geopolítica estratégica do Caribe, desfazendo a visão distorcida que frequentemente se tem daquela região do mundo, associada a cruzeiros marítimos, férias luxuosas e paraísos fiscais. Muitos saíram das Jornadas refletindo sobre o Caribe como lugar estratégico, que sofreu uma colonização brutal, mas soube gestar revoluções impensáveis, como a de Cuba. E, antes ainda, a do Haiti, nação em que os negros escravizados foram capazes de criar a primeira nação livre naquele espaço geográfico.

Arte para inspirar ciência
Desde a primeira edição, os organizadores das Jornadas procuraram incluir na programação diária espaços culturais. Sempre, antes de iniciar as conferências, a arte evocava mundos de sentidos em palavras e silêncios gestuais. A experiência artística, de algum modo, representando medularmente o tema das Jornadas, deixando reticências e interrogações a pairar sobre os debates.

As discussões teóricas nas jornadas são quase sempre acaloradas, mas seu caráter aberto também tem propiciado um lugar para testemunhar dores e injustiças que não encontram eco ou espaço para se expressarem. As jornadas, algumas vezes, permitem o alçar de vozes que removem, ainda que por breves minutos, pesados e cúmplices silêncios gestados pelo avanço da razão acadêmica que varre muito do espaço universitário. Um ambiente frequentemente solapado pela visão de que o conhecimento tem que dar lucro como uma mercadoria qualquer, e não apenas servir para o bem viver de toda espécie de vida.

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