Por Míriam Santini de Abreu - Blog da Revista Pobres & Nojentas
Desde o início da semana a
imprensa jaz sob a propaganda do governo Cesar Souza Jr. de “apresentar as
linhas gerais do Plano Diretor”, depois de sete anos e “1,5 mil reuniões”. Para
engolir um factóide desses, é provável que os jornalistas não tenham participado
de nenhuma delas. O fato, sobre o qual parece não ter havido questionamento por
parte de jornalistas, é: onde está a última versão do anteprojeto? É aquela de
março de 2012? Qual é?
No site da prefeitura até agora
não está. Os jornalistas, chequei, receberam um arquivo com diretrizes, e com
isso se contentaram. Não sei se algum lembrou de perguntar sobre o texto,
aquele que a prefeitura vai levar para as tais 40 oficinas distritais e temáticas.
Saberiam, se tivessem perguntado, o óbvio: a prefeitura vai mais uma vez
apresentar “linhas gerais”, com se “linhas gerais” definissem o desenvolvimento
urbano da Capital. Não serão “linhas gerais” a desembarcar na Câmara de
Vereadores em outubro, conforme anúncio do prefeito.
Quem de
fato leu a última versão do anteprojeto foi o pessoal do Núcleo Gestor do Plano
Diretor Participativo, que ontem recebeu uma missiva eletrônica da
Superintendência do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis iniciada
assim: “... vimos informar que o Governo Municipal, no cumprimento de suas
atribuições e com o único intuito de cumprir seus compromissos públicos, passa
a assumir diretamente, em contato permanente com a sociedade, a apresentação do
novo projeto de Plano Diretor proposto para a cidade”. Com isso, o Núcleo
Gestor foi dispensado.
Ora, e
quem é o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo? São representantes dos
distritos da Capital que, desde 2006, lutam para que o crescimento da Capital
não fique sujeito apenas à especulação imobiliária. Que, desde lá, representam
moradores que se reúnem, debatem e definem diretrizes para suas comunidades.
Que se debruçaram sobre a mais recente, de 118 páginas, e as outras versões do
anteprojeto, para participar das “1,5 mil reuniões”.
Ao longo
desses anos, o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo conseguiu fazer o
que a prefeitura, nessa administração e na passada, decidiu não enfrentar:
colocar o tema do Plano Diretor em debate na sociedade. Se dependesse da
prefeitura, isso nem iria acontecer. Na gestão Dário Berger, mais de um ano
escorreu para que se montassem as bases distritais. A prefeitura nunca colocou
no orçamento municipal recurso exclusivo para o Plano Diretor Participativo nem
contratou equipe técnica exclusiva para o trabalho. Só neste ano o Instituto de
Planejamento Urbano, o IPUF, mereceu alguma atenção, depois de anos sucateado.
E nem Dário nem Cesar Souza articularam plano de mídia para conversar com a
população sobre o Plano Diretor. As administrações se limitaram a colocar uns
anúncios pagos na imprensa.
O Plano Diretor Participativo é o
principal instrumento do Planejamento Urbano para efetivar o direito à cidade,
definindo os objetivos a serem alcançados em cada área e os instrumentos urbanísticos
e ações estratégicas que devem ser implementadas. Mas falar de Plano Diretor é
como falar de Edital de licitação para o transporte coletivo, outra seara pela
qual a prefeitura vai enveredar com mais um golpe contra a população. São temas
áridos. Envolvem conceitos, definições. Cada palavra tem um sentido em disputa,
porque as palavras valem. Elas autorizam, proíbem. Significam dinheiro,
possibilidades, lucros. Podem significar a garantia de uma cidade possível,
onde viver não seja uma experiência angustiante. Mas quem se debruça para
pensar sobre isso? Quem informa o que acontece? Quem ajuda os cidadãos a
decidir? Certamente não essa prefeitura.
Que se
veja o Plano de Ocupação do Solo, por exemplo, que divide a cidade em zonas.
Cada zona pode ser ocupada de uma forma, com um certo índice de aproveitamento,
dependendo do que diz o Plano Diretor. Abrir mão de saber disso e,
principalmente, decidir, cobra um preço alto.
Casa em
encosta sujeita a deslizamento, ruas e rodovias mal-feitas, sem acostamento,
passeios, ciclovias, edificações em áreas de preservação permanente, ruas
imensas, estreitas, que tem nome, mas não tem água nem luz, trânsito
prioritário para veículos, e não pedestres. Quem mora em Florianópolis
reconhece esse diagnóstico e reclama dele. Mas não necessariamente faz a ponte
entre esses problemas e o fato de o Plano Diretor ser o instrumento legal por
excelência para ordenar a cidade.
A
prefeitura diz que irá convidar “todos para um inédito calendário de reuniões,
consultas e audiências públicas, composto de cerca de 40 Oficinas Distritais em
21 localidades de todo o município, um número equivalente de reuniões técnicas
com aproximadamente duas dezenas das entidades públicas e privadas
representativas de todas as regiões e categorias sociais da cidade, além de
cinco Oficinas Técnicas Regionais (Centro, Continente, Norte, Sul e Leste)”.
Diz que isso irá “ampliar o número e a representatividade dos partícipes
envolvidos com a construção do Plano Diretor”. Sim, mas que peso terão essas oficinas
distritais e temáticas na definição do Plano? Terão peso de Audiência Pública?
O resultado das oficinas será contemplado no Plano? E de que forma os
participantes terão acesso ao anteprojeto, onde não há “linhas gerais”, e sim o
que realmente importa, os mapas, os percentuais, as possibilidades de uso? Por
que a prefeitura insiste em não usar o resultado de sete anos de debates
produzidos nos distritos?
Aqui vale
lembrar a Superintendência do Instituto de Planejamento Urbano de
Florianópolis, que mencionou a necessidade de a prefeitura cumprir “seus
compromissos públicos” e assim atropelar o Núcleo Gestor. Seriam compromissos
com qual público? Há anos os moradores de Florianópolis organizados nos
distritos dizem o que querem. Há anos o Plano Diretor não anda. O município
agora diz que contratará quatro profissionais “de renome nacional e
internacional” para consultoria em áreas específicas do Plano. Será que eles
têm mais a dizer sobre a Capital do que quem vive, trabalha, estuda, pesquisa
aqui? Renome é garantia de quê? Ora, e a falta de sintonia na prefeitura é tão
grande que as diferentes áreas não conseguem se entender nem mesmo sobre o uso
de um ponto da Capital, o Aterro da Baía Sul, para o qual toda a semana aparece
um projeto novo.
A
prefeitura anunciou hoje os principais pontos do Plano Diretor. Seria
risível se não fosse trágico! Nem o mais tresloucado defensor de espigões nem o
mais empedernido ambientalista nem o mais vendido colunista nem o mais
desinformado jornalista seriam contrários a tamanha generalização (veja no
final do texto)! A questão é como, para quem, de que forma, em que índices, em
que zonas “preservar”, “proteger”, “valorizar”, “equilibrar”!
Sabe-se
que há prefeituras que encomendam o Plano Diretor. Vem prontinho, ao gosto dos
apoiadores das campanhas eleitorais. Em Florianópolis, a gestão Berger quis
fazer isso. Contratou uma empresa argentina. Mas, aqui, se disse não. A capital
já foi abocanhada de todos os lados pela especulação imobiliária. Não faltou
naco, lote, área, restinga, praia, morro para violentar. E todo o dia vendem a
patacoada de Florianópolis como destino turístico, para o visitante encontrar,
na temporada, caos no trânsito, falta de água e luz, problemas de saneamento e
por aí vai. Só não é pior – em termos urbanísticos, porque há que se reconhecer
a beleza paisagística da Ilha, infelizmente mais arborizada do que a “árvore
neural” do “trade” turístico - porque “ecochatos”, gestores públicos sérios,
promotores, procuradores usam a lei para barrar investidas sem qualquer limite.
São esses
os tratados como “vândalos”, “atrasados”, pela mesma mídia que, todos os dias,
noticia as desgraças provocadas pelo mau uso da cidade, pela falta de
fiscalização, pela corrupção. As bocas alugadas que dizem o que os donos e candidatos
a dono da cidade não ousam dizer, enquanto circulam onde o poder circula para
também se lambuzar nele.
A versão
mais recente do anteprojeto do Plano Diretor tem 118 páginas. Não se conhece
publicamente ainda a versão que a prefeitura, suponha-se, irá levar para as
alardeadas oficinas. Quem luta há sete anos não vai parar. Quem não luta deve
começar já. E ler. O resultado, se a população ficar de fora, será desastroso:
lucro e boa vida para uns poucos e prejuízos para a maioria.
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Principais pontos do Plano
Diretor anunciados pela prefeitura:
Preservação
do meio ambiente com fiscalização efetiva
Proteção
das encostas
Valorização
de conjuntos urbanos de valor cultural
Preservação
das paisagens
Criar
centros no município para evitar conflitos de vizinhança
Construção
de núcleos urbanos planejados
Equilíbrio
na ocupação do solo
Soluções
integradas de mobilidade urbana
Desenvolvimento
da SC-401
Uso da
Ponte Hercílio Luz para o transporte coletivo e criação de parques e decks no
seu entorno
Recuperação
das conexões marítimas
Criação
de parques urbanos centrais, como no Aterro da Baía Sul e no Aterro Continental
Sul
Requalificação
Urbana do Centro Histórico
Vivências
nas Vias Expressas
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